Especialistas aconselham pais e mães sobre como enfrentar a difícil situação de uma longa internação dos filhos Acompanhamento sem tréguas e sinceridade integral sobre o que está ocorrendo são fundamentais
Médica Debora Tessis com Edinalva Ferreira Coutinho e Victor Hugo Coutinho no Hospital Anchieta |
Embora acuados pelo ambiente novo, pelas intervenções médicas e pela atmosfera geralmente fria dos hospitais, nessa hora é fundamental que os pequenos encontrem forças para se restabelecer. Além dos profissionais dedicados à recuperação das crianças, dos medicamentos e procedimentos necessários para que ela se concretize, mais do que nunca a companhia da mãe ou do pai é o porto seguro nesse momento. Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) esse direito é garantido. O ECA assegura que a garotada, independentemente do local da internação — seja em hospital particular ou em público, em quarto, em enfermaria ou em unidade de terapia intensiva —, esteja acompanhada pelos pais ou responsáveis 24 horas por dia.
A coordenadora médica da UTI Neonatal e Pediátrica do Hospital Anchieta, Débora Tessis, explica que até os recém-nascidos têm memória da voz e do cheiro dos pais. Estudos comprovam que os bebês esboçam melhora considerável no quadro clínico quando estão acompanhados por eles. “Quanto mais humanizado é o atendimento médico, maiores as chances de recuperação. Os pais também precisam de acolhimento e atenção. É natural que estejam desnorteados, inseguros e com medo de que o pior aconteça. Pediatras, enfermeiros e todo o time que atua nos cuidados de crianças em hospitais precisam ter preparo para entender e dar suporte à família. Afeto só faz bem, mas para dar afeto é preciso recebê-lo”, enfatiza.
Segundo a pediatra, por mais novas que sejam, as crianças têm percepção da gravidade e da evolução do quadro. É importante que se explique, ainda que em linguagem lúdica, o problema pelo qual ela está passando. “Para cada situação, existe uma abordagem. É fundamental não mentir. Os pais devem ter acesso a todas as informações da doença e do tratamento e as crianças devem saber o que está se passando. É o fator que traz segurança a todos”, diz.
Contrastes
A professora Rosângela Mezet Ferreira, 41 anos, já viveu situações contrastantes nas incontáveis internações do filho. O pequeno Alan Mezet Fernandes, 13 anos, nasceu com incompatibilidade sanguínea. O problema resultou em uma lesão cerebral, diagnosticada quando ele tinha 5 meses. A primeira internação ocorreu antes que ele completasse 1 ano. Uma forte pneumonia, intercorrência frequente em casos como o de Alan, por conta do refluxo e da dificuldade de expectoração, o levou à hospitalização. “Foi um baque. Mesmo sabendo de todas as limitações do meu filho, me assustei, perdi o chão. Sonhamos com rebentos saudáveis, brincando, estudando, curtindo a vida — e numa hora dessas imaginamos o pior. O problema do meu menino é irreversível. São administrados medicamentos que o deixam mais confortável, mas o que o tranquiliza mesmo é a minha presença. O carinho é o mais eficaz dos remédios”, revela. Até os 11 anos, Alan nunca havia sido internado na unidade de terapia intensiva, mas de dois anos para cá a hospitalização na UTI pediátrica tem sido constante. A última já dura cinco meses.
Entre as várias internações de Alan, o casamento de Rosângela não resistiu. Ela se casou novamente com uma pessoa que passava por situação semelhante à dela. Da nova união, nasceu uma menininha, com a mesma incompatibilidade de Alan. Transfusões sanguíneas feitas a tempo preservaram a saúde da criança. No entanto, ela também precisou de internações. “O hospital oferecido pelo plano de saúde não tinha abordagem humanizada. O sofrimento foi multiplicado. Não tínhamos acesso às informações e à evolução do quadro dela. Não podíamos entrar na UTI fora do horário rígido estabelecido pela equipe e nem tínhamos o apoio psicológico para lidar com a situação. Hoje, minha filha está bem, mas foi traumatizante e muito diferente do que conseguimos oferecer ao Alan”, desabafa Rosângela.
A psicóloga hospitalar Clarisse Ribeiro confirma que uma internação sempre remete à possibilidade de morte, principalmente quando a criança fica na UTI, e é justamente isso que desestabiliza os pais e a família. O acompanhamento psicológico é um suporte para ajudar a entender a situação. Se os pais se sentem inseguros, a criança também se sentirá. “A instabilidade emocional interfere na recuperação e dificulta a reação positiva do corpo. A criança tem o direito de saber, inclusive, sobre a possibilidade ou não de alta. A partir dos 4 anos, podemos oferecer elementos lúdicos que a colocam a par da realidade. O importante é sempre informar, conversar, orientar e deixar a criança expressar o sofrimento”, pondera.
É fundamental não mentir. Os pais devem ter acesso a todas as informações da doença e do tratamento e as crianças devem saber o que está se passando. É o fator que traz segurança a todos”
Débora Tessis, pediatra
Ouça entrevista com a pediatra Débora Tessis
» Depoimento
Momentos terríveis
“Passei por momentos terríveis quanto meu filho Vinícius Vieira de Araújo ficou internado por 30 dias, quando tinha apenas 3 anos. Quase uma década depois da experiência, o garoto ainda sofre com as marcas psicológicas do período da hospitalização e até hoje tem verdadeiro pavor de injeções e agulhas. O drama começou em um dia que ele estava febril. Decidi levá-lo ao hospital a fim de saber o que era. Para meu desespero, a criança foi internada com uma pneumonia grave, que a deixou uma semana na UTI. Me senti personagem de um filme de terror. Meu filho estava bem em um dia, pulando e brincando, e 24 horas depois estava internado. Ainda que abalada e culpada, não abri mão de ficar ao lado de Vinícius o tempo todo. Ter contato com a criança numa situação dessa é imprescindível e toda mãe deve saber que aprendemos a tirar força das adversidades. É preciso exigir nossos direitos também, além de assegurar os direitos dos pequenos. Está na lei. Pai e mãe podem acompanhar os filhos no hospital. Não tem como ser diferente. Vinícius ficou bem, mas dá um trabalho danado para tirar sangue nos checapes anuais que sempre fazemos. É preciso três pessoas para segurá-lo.”
Magna Rejane Vieira, professora
Direito à companhia
A professora Rosângela e Alan, hoje com 13 anos e internado em uma UTI pediátrica há cinco meses: "O carinho é o mais eficaz dos remédios" |
O mal é fatal na maioria dos casos e a história da criança foi agravada por conta de um problema pulmonar que a impedia de respirar. A UTI pediátrica passou a ser a casa da família. Hoje, Victor Hugo tem 2 anos e 7 meses e permanece internado no local, mas superou todas as expectativas e se prepara para, finalmente, conhecer o quartinho preparado com dedicação durante a gestação da mãe. “Foi um choque saber que ele ficaria em uma UTI. A dificuldade para aceitar essa realidade é avassaladora. Como mãe, fui tomada por um sentimento de culpa e tristeza. Primeiro, procurei saber tudo sobre a síndrome, mas tive uma depressão e resolvi viver cada dia sem me preocupar com o amanhã”, conta. “Estar ao lado de Victor o tempo inteiro me deu forças e tenho certeza que ele também se fortaleceu. Quando eu vacilava, ele sentia e o estado era agravado.”
A equipe médica sempre colocou Edinalva e o marido a par de todas as dificuldades para manter Victor vivo. A UTI está de portas abertas para o casal a qualquer hora do dia ou da noite. Nos momentos mais difíceis, pai e mãe compartilham a dor nas reuniões semanais realizadas com os profissionais que atuam na unidade e com os pais de outros pacientes. “As alegrias também são divididas nesses encontros. A despeito de todos os prognósticos, o respirador artificial foi retirado há um mês e os médicos já preparam a remoção de Victor, que receberá os cuidados que precisa em casa. Aprendi que a UTI também é local de vitórias, onde pode-se superar todas as adversidades, se a relação com os médicos for franca e humana. Com uma equipe que sempre nos apoiou, comemoramos os dois aniversários de Victor e vamos comemorar sua ida para casa”, acredita Rosângela.
Saiba mais
Proteção legal
A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Art. 11 - É assegurado atendimento integral à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde
Art. 12 - Os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente.
Art. 13 - Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) regulamentou o artigo 227 da Constituição Federal, que atribui à criança e ao adolescente prioridade absoluta no atendimento aos seus direitos como cidadãos brasileiros.
Márcia Neri
Publicação: 19/04/2010 07:00
Fonte: Correio Brasiliense
Publicação: 19/04/2010 07:00
Fonte: Correio Brasiliense
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